Ora bem, agora que já se está a fazer o balanço da greve, vamos lá a saber...
O qu'é que se passa?
Já ouviram falar do Estado Social?
Ele foi sendo progressivamente criado na Europa Ocidental, a partir de meados do século passado e está agora em declínio.
Esta é, aliás, uma das causas principais, senão a principal, dos movimentos de contestação social, que se verificam actualmente na Europa e que deram origem à greve geral de hoje, em Portugal, Espanha, Itália e Grécia, com manifestações em vários países europeus, num total de 23.
O declínio deste Estado Social, decorre do processo de globalização, que levou as empresas a deslocalizarem a sua produção para outras paragens (o dinheiro não tem pátria), por vezes nem muito longínquas, onde as preocupações sociais são mínimas, ou até inexistentes, o que lhes permitiu pressionar, até limites inimagináveis até há bem pouco tempo, os trabalhadores da Europa Ocidental (sobretudo do Sul).
Para melhor se perceber e ilustrar os efeitos desta política, vamos a uma história, factual, sobre os emigrantes portugueses em França, nos famosos anos sessenta.
Fugidos da miséria nacional, passando a fronteira a salto (clandestinamente), sem papéis e a viver nos bidonville (bairros da lata), trabalhavam para lá do horário normal e aos fins-de-semana, ficando ainda agradecidos pelos pequenos bónus que os patrões lhes pagavam, irrisórios em relação às horas extraordinárias que lhes seriam devidas, mas incomparavelmente mais do que aquilo que conseguiriam em Portugal.
Em larga, larguíssima escala, é o que se passa com a globalização, que não proveu a um equilíbrio entre as condições de trabalho nos diferentes países, mas à desregulação selvagem das regras que tinham permitido a construção do Estado Social.
É que e passo a citar:
o "trabalho (...) deve ser considerado, em teoria e na prática, não mercadoria, mas um modo de expressão direta da pessoa humana. Para a grande maioria dos homens, o trabalho é a única fonte dos meios de subsistência. Por isso, a sua remuneração não pode deixar-se à mercê do jogo automático das leis do mercado; pelo contrário, deve ser estabelecida segundo as normas da justiça e da equidade, que, em caso contrário, ficariam profundamente lesadas, ainda mesmo que o contrato de trabalho fosse livremente ajustado por ambas as partes.
(...)
O Estado, cuja razão de ser é a realização do bem comum na ordem temporal, não pode manter-se ausente do mundo económico; deve intervir com o fim de promover a produção de uma abundância suficiente de bens materiais, "cujo uso é necessário para o exercício da virtude"; e também para proteger os direitos de todos os cidadãos, sobretudo dos mais fracos, como são os operários, as mulheres e as crianças. De igual modo, é dever seu indeclinável contribuir ativamente para melhorar as condições de vida dos operários.
Compete ainda ao Estado velar para que as relações de trabalho sejam reguladas segundo a justiça e a equidade, e para que nos ambientes de trabalho não seja lesada, nem no corpo nem na alma, a dignidade de pessoa humana.".
E quem diz isto?
Um revolucionário, barbudo e sanguinário que quer acabar com o mundo à bomba?
Um anarquista cabeludo, num delírio de libertinagem?
Um político sectário, no fervor propagandístico de uma campanha?
Não.
Não é nenhuma destas personagens de caricatura.
É um Papa.
É verdade.
É o Papa João XXIII, na
Encíclica Mater et Magistra (se duvidam, cliquem na encíclica e vão confirmar), curiosamente dirigida "AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS, BISPOS E
OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR".
E esta, hein?
O malandro do Papa...
Inda era gajo para fazer greve...